Halloween tá chegando! Nessa época do ano passado, resolvi fazer uma maratona com todos os jogos da série Resident Evil (quer dizer, todos os jogos que eu considero bons o suficiente para entrarem numa retrospectiva, ignorando coisas bizarras como Operation Raccoon City). Já em 2024, nós temos a outra grande franquia de horror ressurgindo das cinzas com o remake de Silent Hill 2. Sendo assim, achei por bem revisitar este bastião do survival horror com um olhar mais crítico. Como foi o nascimento da série Silent Hill?
Eu joguei o primeiro jogo da série Silent Hill, lançado em 1999, lá quando eu ainda estava no Ensino Médio, e vou admitir uma coisa: eu TREMIA de medo desse jogo. Quando a excelente trilha sonora produzida por Akira Yamaoka chegava com seus ritmos industriais pesando fortemente na mente dos jogadores, o Renato de 2002 simplesmente desligava o jogo, tamanho o estresse que o compositor traz em sua paisagem sonora.
No entanto, o Renato de 2024, finalmente jogando novamente o Silent Hill original todos esses anos depois, enxerga uma experiência um pouco mais inconsistente do que era capaz de enxergar lá no passado. Ainda assim, é um jogo potente, que vai numa direção muito diferente do que a maioria dos survival horrors da época costumava ir, principalmente se comparado à trilogia Resident Evil.
Silent Hill acompanha a história de Harry Mason, um pai de família que encontrou sua filha na beira da estrada nas proximidades da cidade de Silent Hill. Quando a garota, Cheryl, completa sete anos de idade, ela pede, do nada, que ele a leve à cidade de Silent Hill para passar férias. No caminho, uma garota adolescente aparece em frente ao carro na estrada, forçando Harry a bater o carro para tentar se esquivar. Ao acordar, percebe que Cheryl não está mais no carro, e então encontrá-la se torna sua principal missão no jogo.
O que mais me chamou atenção, jogando depois de adulto, é o quanto a primeira hora do jogo ainda é impecável. Todo mundo que conhece um pouquinho da história dos jogos de terror vai se lembrar bem claramente da introdução de Silent Hill. Você acorda nessa cidade enevoada, e ao andar alguns passos à frente, vê uma silhueta parecida com Cheryl. Harry chama por ela, mas é ignorado. Você corre em direção a ela, apenas para vê-la sumir para dentro da névoa múltiplas vezes, te guiando em direção a um beco. Daqui pra frente, é só pra trás.
Ao adentrar um portãozinho para dentro deste beco, a primeira coisa a chamar a atenção é uma poça de sangue e tripas bem à sua frente, sem explicação alguma. Quanto mais pra dentro do beco você anda, mais esquisita vai ficando a trilha sonora e os ângulos de câmera que acompanham Harry. Você passa a ouvir uma sirene à distância. O mundo fica escuro e coisas ainda mais estranhas, como uma cadeira de rodas e uma maca de hospital ensanguentada, aparecem dentro deste beco. No final dele, um corpo ressecado pendurado nas grades e o chão coberto de sangue esperam por Harry, que é imediatamente atacado por três monstros parecidos com crianças, com facas na mão. Sem armas e sem defesa, não adianta nem voltar em direção à saída do beco, pois a realidade não é confiável neste lugar: o beco se fecha e a única saída é ser morto pelas criaturas.
Como a realidade não é confiável, este não é o fim da linha para Harry, que acorda numa lanchonete acompanhado da policial Cybil Bennett. Infelizmente, a presença dela não adianta de nada em termos de esclarecer o que está acontecendo na cidade, já que ela parece estar tão perdida quanto você. Após um diálogo surreal daqueles que apenas o voiceover de jogos de Playstation 1 pode criar, Cybil te dá uma pistola (o que me parece muito temerário vindo de uma policial, mas ok, vamos deixar rolar) e você retoma o controle. Neste momento, uma das cenas mais icônicas do horror do Playstation 1 acontece: ao tentar sair da lanchonete, o rádio que está em cima de uma das mesas começa a emitir estática num volume altíssimo. Ao verificar, Harry é surpreendido por uma espécie de monstro-pterodátilo atravessando a janela.
A partir daqui, a primeira parte do jogo tem uma jogabilidade e objetivos simples: Harry quer encontrar sua filha explorando a cidade, que é um “mundo aberto” cheio de névoa e monstros. Aqui é onde a genialidade da série Silent Hill está no seu pico.
Em primeiro lugar, a decisão de cobrir Silent Hill de névoa, que é brilhante em unir o útil ao agradável. Qualquer um que estava por aqui quando o Playstation 1 reinava sobre o território dos games vai se lembrar que, apesar do reinado, o hardware do PS1 não era exatamente o mais capaz de criar gráficos super realistas, principalmente em representação de longas distâncias, onde o console simplesmente não era capaz de renderizar muito longe sem sua taxa de quadros cair absurdamente, com seus míseros 33 MHZ de processador e 2 MB de memória RAM. Mas e se os desenvolvedores se inspirassem em “The Mist”, do Stephen King, e cobrissem a cidade de névoa? Assim, temos uma justificativa diegética para não conseguirmos ver um palmo à frente do nariz, temos uma inspiração literária, e conseguimos manter um nível de realismo dos gráficos superior à boa parte da biblioteca do PS1, com a taxa de quadros caindo só pra 15 FPS!
Quanto ao ciclo de jogabilidade: o jogador conta com um mapa da cidade e está livre para explorar como se fosse um “mundo aberto”. O mapa também é uma mecânica muito importante, pois Harry faz anotações em seu mapa conforme você vai explorando. Ele marca o beco onde fomos atacados pelas crianças, e então este se torna seu primeiro objetivo. Ao chegar no beco, ao invés de encontrar cenas grotescas e crianças assassinas, encontramos um caderno de desenho com os dizeres “para a escola” escritos com a letra de Cheryl. Então, Harry marca a escola no mapa como seu próximo objetivo. Ao tentar alcançar a escola, no entanto, fica claro que as ruas da cidade estão todas bloqueadas por abismos intransponíveis, deixando claro que o “mundo aberto” de Silent Hill não é tão aberto assim. Rapidamente percebe-se que a única passagem para a rua da escola é através de uma casa, cuja porta dos fundos está trancada com três fechaduras, e aí a gente precisa explorar a cidade para encontrar três chaves. Desta forma, toda essa primeira parte do jogo consiste em explorar as ruas desoladas e atmosféricas de Silent Hill procurando o caminho.
Isto é, até entrarmos na escola, que é de longe o ponto mais alto do jogo. Aqui, não somos apresentados a muita construção narrativa da história do jogo ainda, mas temos uma área de dois andares onde temos que resolver múltiplos quebra-cabeças, tanto literais quanto espaciais. Logo na recepção da escola, você já encontra três cadernos escritos em sangue, com três horários no topo e dicas crípticas para avançar seu progresso. Pode parecer um pouco estranho dizer que explorar um prédio todo escuro com vários enigmas que envolvem interpretação de texto e coisas bizarras acontecendo é uma experiência de jogabilidade genial, mas realmente é. (Apesar de que não sei como a molecada fazia nos anos 90 sem traduções e sem saber inglês…)
Claro que o ponto alto da experiência é que várias bizarrices isoladas vão acontecendo em certos pontos da exploração pela escola, que certamente foram suficientes pra fazer o Renato de 2002 imediatamente desligar o game. Por exemplo, quando entramos em um dos banheiros da escola e claramente se ouve uma pessoa chorando dentro de um dos mictórios. Ou quando o silêncio dá vez a pancadas industriais como se estivéssemos dentro de uma fábrica, sem nenhum motivo aparente para a intensidade extra. Ou talvez quando resolvemos o quebra-cabeça da torre do relógio e ouvimos a sirene novamente, indo parar no mesmo pátio, porém com a escola totalmente transformada, seus pisos normais trocados por grades sobre um abismo interminável. Ou a sala dos armários…
Mas porque digo que a escola é o ponto alto da experiência? Logo após matarmos o lagartão, monstro principal da escola, o mundo volta ao estado enevoado do início, e ouvimos um sino de igreja na distância. Ao alcançarmos a igreja no nosso mapa, encontramos Dahlia Gillespie, e a narrativa do que aconteceu para justificar todas as bizarrices que já vimos até então toma o centro das atenções, e aí é que sinto que a experiência se perde um pouco.
O que o resto do jogo nos conta? Bem, senta que lá vem história. 14 anos atrás, a cidade de Silent Hill contava com um culto religioso liderado por Dahlia Gillespie, culto este que dominava a população da cidade através da venda de uma droga alucinógena e altamente viciante chamada White Claudia. O plano do culto é (e prestem atenção nisso) conjurar o arcanjo Samael. Para tanto, Dahlia faz um ritual para engravidar, e, através de magia negra, fazer com que a criança nasça com a alma do arcanjo. No entanto, o ritual dá errado, e a criança, Alessa, nasce apenas com “metade” (???) da alma de Samael. Para controlar totalmente os poderes da menina e impedir que ela se tornasse uma adolescente desobediente, Dahlia põe fogo na criança, sabendo que o poder do arcanjo não permitiria que ela morresse, e através de controle do vício na droga, a mantém sob cuidados da enfermeira Lisa Garland.
Com este controle, Dahlia bola o plano de ter mais uma criança com a segunda metade (???) da alma de Samael, e é bem sucedida. No entanto, sofrendo com a culpa de cuidar de Alessa, Lisa rouba a criança e a abandona na beira da estrada, onde nosso heroi Harry a encontrou sete anos atrás. Com o tempo, a garota passa a pedir ao pai para ir para Silent Hill, e assim chegamos no início do jogo. A garota adolescente da qual Harry tenta desviar na introdução é Alessa, e ao se encontrarem, as duas almas das garotas se fundem e finalizam a junção da alma de Samael, criando realidades alternativas onde o jogo todo se passa. O restante do jogo, então, é basicamente composto da tentativa de Dahlia de fazer Samael renascer, e o boss final é a representação do arcanjo Samael renascido.
Essa explicação toda pareceu meio enrolada? Pois bem, essa é a minha explicação detalhada depois de terminar o jogo duas vezes. O jogo em si é beeeeeem mais complicado que isso, com diálogos em inglês quebrado, personagens agindo de maneira misteriosa, e cortes de realidade enviando Harry rapidamente entre Silent Hill enevoada e Silent Hill “pesadelo”. E tudo isso pra contar uma história onde todas as coisas sobrenaturais e bizarras que acontecem são explicadas através de um culto de seres humanos comuns querendo conjurar uma figura bíblica para… o que, especificamente? Vai saber.
Por isso, acho que a segunda metade do jogo vai ficando cada vez mais desinteressante, juntando essa narrativa convoluta com a abundância de armas e munições que o jogo te dispõe, se você explorar com vigor. Elimina-se qualquer tipo de desafio e de aprofundamento na narrativa do jogo. Ainda assim, não é como se não houvessem momentos maravilhosos na segunda metade do jogo. A passagem pelo hospital é tão atmosférica quanto a exploração da escola, as transições entre realidades nas ruas são extremamente bem feitas para o hardware do PS1, e a ansiedade que a trilha sonora impõe ao jogador (especialmente com o zumbido bizarro quando estamos viajando entre o hospital e a loja de antiguidades, senhor amado) é muito opressiva, perfeita para o sentimento de horror que Silent Hill quer evocar.
Finalmente, Silent Hill é o clássico atemporal de horror que esperamos? De muitas formas, sim. Mas é especialmente um ponto de partida importantíssimo para o que se tornaria a era de ouro dos survival horror, o período do Playstation 2, de 2000 a 2007, onde os grandes clássicos da série realmente se encontram.
Silent Hill 2 Remake sai no dia 8 de outubro. Faça sua pré-compra na Steam e na PlayStation Store.